sábado, 30 de maio de 2020

Um Joe não tão carismático quanto Penn...

O livro trata-se de um dos raros casos que a adaptação ficou melhor que a obra original. Com isso não quero dizer que o livro seja ruim! Pelo contrário, ele é muito fiel em alguns aspectos, mas discrepante em outros. Primeiro, que no livro não tem o enredo do Paco, nem nenhuma das coisas que torne o Joe da série um personagem carismático.

Na série, por mais que discordemos das atitudes dele, conseguimos ter certa simpatia pelo personagem de Penn Badgley, que é extremamente carismático e articulado. Entretanto, no livro conhecemos um Joe que é gratuitamente grosseiro com seus funcionários, tem pensamentos extremamente doentios e machistas, e vulgariza absolutamente tudo, usando os termos mais chulos possíveis.

A narrativa é mais arrastada? Sim. Inclusive, por vezes se torna o tipo de leitura pesada, enrolada, que parece que você lê, lê, lê e não sai do lugar. Diferente da série, o livro se atém bem menos aos fatos do que aos pensamentos, e vemos uma confusão mental muito grande da parte de Joe: ele oscila o tempo inteiro entre endeusar Beck ou referir-se à ela como piranha, puta etc. Mas o que mais me chamou a atenção no livro é o fato de que Joe não justifica seus fatos apenas para que Beck o ame, ou para se livrar de possíveis consequências: ele REALMENTE acredita que o que faz é certo, é por amor. Cada ato desmedido e doentio, na visão DELE é uma forma de livrar Beck de pessoas tóxicas, ou mostrar-lhe que seu amor é o caminho certo. Ele se vê como um herói, como o romântico incorrigível que destrói os obstáculos que surgem em nome do grande amor que sente. E sempre culpa esses obstáculos, pessoas ou o que quer que atrapalhe sua visão de como as coisas devem ser.

Outro ponto a ressaltar é que se na série Beck já não é uma personagem muito querida, no livro ela é ainda pior. E com isso não estou dizendo que ela merecia as atitudes de Joe, ninguém mereceria. Mas Beck não é nenhuma pobre vítima: é vulgar, dissimulada, manipuladora e usa da sua sexualidade para absolutamente tudo, de um jeito exagerado, como se seu maior hobby fosse fazer com que todo mundo quisesse transar com ela, nem que fosse para ela descartar a pessoa. Seu comportamento é promíscuo, egocêntrico e extremamente narcisista e mesmo quando ela não sabia quem Joe era de verdade e o via apenas como um cara legal (e ele realmente parecia ser tudo que alguém pode querer: fofo, inteligente, compreensivo, carinhoso, romântico...), ela não se importava de usá-lo como se fosse um objeto que ela só pega quando precisa, seja para desabafar, para transar ou para simplesmente se sentir desejada.

A verdade é que na série eu gosto bastante de Joe. Não é "passar pano": suas atitudes são doentias e isso é inegável, mas ainda consigo "torcer" por ele, simpatizar com ele. No livro, entretanto, muitas vezes fiquei com nojo. Houve muitos trechos que seu linguajar faziam parecer que era um velho tarado falando, era doentio. E mais doentio que isso, preciso comentar, é a Beck ter todo aquele complexo de sexualizar a relação paterna.



Enfim, vale a leitura. Vale persistir mesmo quando for cansativa, porque esse livro é, sobretudo, uma viagem na mente de um sociopata que mesmo quando faz as piores atrocidades, acredita que isso é o certo, que ele é o herói, que foi por um bem maior, que a vítima teve culpa. Essa versão aparece muitas vezes quando alguém tenta se safar ou convencer alguém, mas como no livro mostram os pensamentos dele, percebemos que trata-se de uma crença verdadeira. É diferente da série, mas é bom, só que requer um pouco mais de paciência.

domingo, 10 de maio de 2020

O ano mal começou e já tenho meu livro preferido: Quando não há palavras - Julie Buxbaum

Quando vi que o livro tinha um personagem com asperger, já imaginei que fosse adorar. Amo livros que falam do espectro. Já li "Querido John", "Com amor, Anthony", "meu menino vadio - histórias de um garoto autista e seu pai" e provavelmente muitos outros que não me recordo agora. É uma temática que me encanta e me fascina na mesma proporção. Porém, nada me preparava para o tanto que eu ia me apegar à esse livro.

Acho que é a primeira vez NA VIDA que eu leio um livro com tanto apego, tanta vontade de conhecer cada personagem, vontade de devorar a leitura em minutos, mas também de prolongá-la pela vida, para sempre acompanhar os passos de David, Kit, Miney...

A história tem uma premissa simples, que pode fazê-la parecer com qualquer outro Young Adult que você encontra nas bancas. Mas a verdade é que esse livro é dotado de uma sensibilidade ímpar, que o fez se tornar meu livro preferido do ano, quiçá da vida (e olha que eu leio bastante!).

Enfim, o livro conta a história de Kit, uma menina que perdeu seu amado pai em um terrível acidente, o que lhe traumatizou de um modo muito profundo, fazendo-a se afastar das amigas e de tudo que antes lhe era importante.

Do outro lado, temos David, um menino solitário que tem síndrome de Asperger, um dos espectros mais leves do autismo. David me lembra, em muitos momentos, o Sam da série Atypical, tanto pelo autismo quanto pela relação com a irmã Miney, que o ajuda a "ser mais normal". 

Eu confesso que fiquei bastante sensibilizada com as inúmeras maldades que os seus colegas faziam com ele e me peguei mais de uma vez com os olhos marejados pensando em como deve ser difícil não se adequar, tanto para ele, quanto para sua família. Aliás, que família! É lindo ver o cuidado e carinho com o qual eles tratam David e tudo que eles fazem para que ele se sinta bem.

Kit, no auge da sua confusão mental e tristeza, resolve almoçar sentada ao lado do colega "esquisito", quieto e antissocial, achando que assim poderá ficar em paz, sem os constantes olhares de pena e sem ninguém esperando que ela voltasse a ser a Kit que era antes de perder o pai. Ela está no limite de exaustão, com todos as amigas e até a própria mãe evitando falar da morte do seu pai, pisando em ovos com ela e agindo com aquela compaixão estranha que só lhe faz lembrar cada vez mais da triste realidade.

O que ela não esperava era que David seria totalmente o oposto: direto, sincero e sem filtros, David nunca fez questão de preencher o silêncio com conversas desnecessárias, nem lhe poupou das suas verdades diretas e meticulosas sobre qualquer coisa que viessem a conversar. E de repente, ele se tornou a única pessoa com a qual ela se sentia bem e a vontade.

Mas engana-se quem pensa que o livro se limita à isso. Primeiro, que no final temos um E-N-O-R-M-E plot twist... E assim, eu realmente esperava um plot twist, mas esperava que fosse envolver Miney... E vou parar por aqui, pois não quero dar spoiler, mas se alguém também pensou isso, favor me dizer que não fui a única!

E meus amigos, o final... ah, o final... sabe aquele livro fofo, cativante, real? Você se apaixona pelos personagens, mas não porque eles sejam perfeitos... e sim exatamente porque são humanos, com falhas, diante de situações reais, com mágoas e tentando melhorar...

Enfim, LEIAM esse livro. Acho que independente do gênero literário que você curta, um livro como esse é IMPOSSÍVEL não gostar. Eu terminei faz 5 minutos e já estou morrendo de saudade das personagens. 

terça-feira, 28 de abril de 2020

Fim de Verão - Joyce Maynard

Adquiri esse livro em uma promoção no sebo que eu trabalhava, algo como "compre dois livros e escolha um do balaio grátis", ou seja, não foi uma leitura que eu tenha buscado por vontade própria. Depois disso, ele acabou ficando parado na minha estante por anos, até que o tédio da quarentena me impulsionou a ler. Ainda bem.

Estamos apenas em abril e eu já ouso dizer que este tem potencial para ser a melhor leitura do ano. Com uma sinopse simples, o livro parece não ter muito a surpreender em suas 220 páginas, mas com sua linguagem fácil e emoções realistas, a leitura nos prende do início ao fim.

O livro é narrado por Henry, um rapaz já adulto, mas que resolve compartilhar conosco uma história que aconteceu aos seus 13 anos de idade, em um fim de verão que mudou para sempre sua vida e da sua mãe Adele.

Adele era uma dançarina cheia de vida, que encantava à todos ao seu redor: divertida, generosa, linda de corpo e alma, engraçada e apaixonada. Mas Henry já lembrava pouco dessa mulher, visto que a separação dela e de seu pai afetaram-na radicalmente. Desde então, ela nunca sai de casa, nunca se arruma, suas mãos tremem muito, ela não dança e parece não se importar com nada nem ninguém além do filho,  como se o brilho que ela emanava tivesse ido embora junto com o marido, o qual constituiu uma nova e perfeita família.

Henry diz:
“Eu podia sentir a sua solidão e a sua carência antes mesmo de saber o nome para esses sentimentos... Eu concluí que não foi a perda do meu pai que partiu o coração da minha mãe... foi a perda do amor. O que ela amara fora o próprio amar”.

Entretanto um dia, indo ao mercado, um estranho lhes pede ajuda de uma forma inusitada: ele está machucado e precisa de carona e de um lugar para ficar. Adele simplesmente concorda em ajudá-lo, mesmo sem saber nada sobre o homem, apenas que se chama Frank. Isso não surpreende Henry: era natural da sua mãe fazer boas ações e acreditar nas pessoas.

Chegando em casa, eles acabam descobrindo que Frank havia sido preso por assassinato e após 18 anos do ocorrido, fugiu do presídio naquela tarde. Estava sendo procurado por todos ao redor, pois segundo todos os noticiários, ele tratava-se de alguém altamente perigoso.

Porém, nada que era divulgado combinava com a imagem do homem que eles foram conhecendo nos dias que se seguiram: Frank trouxe vida à Adele e fez Henry se recordar de como era ter uma família. Enquanto seu pai biológico vivia lhe pressionando e comparando com o meio-irmão, diminuindo Henry por sua inabilidade com esportes, Frank teve paciência e carinho ao ensinar-lhe arremessos, passes e também outras coisas como tortas de pêssego e plantações. E por mais que todos os fatos noticiados mostrassem Frank como um monstro, foi ele que ensinou-lhes sobre o amor.

"A melhor droga que existe, acabei entendendo, é o amor. Amor raro, para o qual não se encontra uma explicação. Um homem pulou de uma janela do segundo andar e entrou correndo, sangrando, numa loja barata. Uma mulher o levou para casa. Eram duas pessoas que não podiam se mostrar ao mundo, que fizeram um mundo próprio uma com a outra, entre as paredes finas demais da nossa velha casa amarela"

"O que vale registrar, pelo menos, é o fato de que não está sozinho. E é minha experiência que quando você faz isso - parar, prestar atenção, seguir os simples instintos do amor -, muito provavelmente a pessoa responderá de forma favorável. Isso geralmente se aplica aos bebês e à maior parte das outras pessoas também. E pessoas de vida tão sofrida que parece não haver esperança para elas, só que pode haver."

"Fim de verão" é uma leitura magnifíca por mais motivos do que posso citar. Trata-se não só de um romance, mas também de uma história repleta de assuntos importantes: a puberdade de Henry, a descoberta da sexualidade, a depressão de Adele (que tem motivos mais profundos do que pode parecer), o crime de Frank, o sentimento de abandono de Henry em relação ao seu pai e sua nova família e, principalmente, a diferença que amor e cuidado pode fazer na vida das pessoas.

Some tudo isso à um final comovente, uma escrita fluída e sem firulas: é uma história escrita com pureza, com verdade. Você lê e consegue entender o sentimento de cada personagem, as motivações e mágoas, as dúvidas, as necessidades. O tipo de leitura que, ao terminar, você tem vontade de sair gritando aos quatro ventos que o mundo todo deveria dar uma chance à esse livro, mesmo com sua capa sem graça e sua sinopse simplória: vale a pena, eu garanto!

Hoje descobri ainda que existe uma adaptação cinematográfica chamada "Refém da paixão", lançada em 2014 e que conta com a atuação de  ‎Kate Winslet  como Adele e Josh Brolin como Frank. Não assisti ainda, mas pelo trailer pareceu ser bem fiel à obra, e pela escolha de atores, acredito que valha a pena assistir!



sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Amor Amargo - Jeniffer Brown: o retrato de um relacionamento abusivo

Li "Amor Amargo" em dois dias, de tão envolvida que fiquei com a história. Não me recordo de já ter lido algo sobre o tema antes, pelo menos não escrito com a sensibilidade com a qual Jeniffer Brown soube usar nele. Acho que toda garota e todos pais do mundo deveriam ler esse livro e deveriam, sobretudo, mostrar-se atentos à esse tema que é tão delicado.

O livro conta a história de Alex, uma menina que está no último ano do ensino médio e planeja uma viagem para o Colorado junto de seus dois melhores amigos, Zach e Bethany. Essa viagem, que promete muita diversão, também tem um motivo muito profundo para Alex: sua mãe estava indo para lá, abandonando a família, quando sofreu um acidente e morreu. O que havia no Colorado que valia mais a pena que viver ao lado de suas filhas e marido? Será que indo até lá, Alex conseguiria sentir a presença de sua mãe e suprir a sensação de abandono deixada pelo luto e pelo pai completamente relapso e irmãs indiferentes? Será que lá Alex preencheria esse vazio?

Mas a amizade do trio vai muito além do planejamento da viagem: os três são inseparáveis desde os oito anos de idade, contam absolutamente tudo uns para os outros e se amam infinitamente. Um amor lindo, mas não suficiente para suprir toda a carência e necessidade de afeto que Alex sente. É por isso que quando conhece Cole, ela mergulha de cabeça na relação.


Cole é um aluno novo na escola, para o qual Alex fica incubida de dar aulas de reforço para auxiliá-lo a entrar no time de basquete. Logo na primeira aula, já surge um interesse mútuo, o qual vai crescendo no decorrer dos dias. Cole parece perfeito: lindo, atencioso, divertido, gentil... um perfeito cavalheiro. Aprecia as poesias de Alex e demonstra mais interesse por ela do que o próprio pai jamais demonstrou. Só essa simples compensação já é suficiente para que ela atribua à Cole a imagem de principe encantado e acredite que ele é sua alma gêmea.


Logo, os dois começam a namorar e pouco a pouco, Cole demonstra características de uma personalidade manipuladora, egocêntrica, intimidadora, controladora e agressiva, mas à essa altura, Alex já está envolvida demais para conseguir enxergar de forma racional. 

Jeniffer Brown é formada em psicologia e, numa das notas do livro, explica que pesquisou muito à respeito do tema antes de escrever o livro, e que por isso conseguimos ver tanta realidade nos personagens. Vemos cada um dos estágios comuns à esse tipo de relacionamento acontecendo: Cole manipula Alex até que ela se afaste das pessoas que ama, e depois vai minando cada restinho de autoestima que ela ainda possui, a diminuindo e menosprezando. A garota, que já era carente devido à situação familiar, começa a acreditar que merece aquele tratamento. 

Quando Cole age de forma agressiva, ela se sente culpada. Ela acha que precisa mudar. Que precisa melhorar. Que precisa parar de lhe dar motivos para sair do sério. Ela acredita que se não o fizer, ele vai lhe deixar. E que se ele a deixar, nunca mais terá ninguém, pois ele mesmo a faz acreditar que não merece ser amada. Quando começa a se dar conta da realidade, vem outros sentimentos conflitantes: "O que vão pensar de mim se eu contar? Que sou covarde? Que sou burra por aceitar essa situação calada por tanto tempo? E como ele reagiria se eu o traísse dessa forma, revelando à todos que ele não é o namorado perfeito?"

Percebo que é comum que muitas pessoas se irritem com a personagem, tamanha sua incapacidade de lidar com a situação. Tamanha sua forma de sempre buscar justificativas para as agressões dele, submetendo-se e até mesmo mendigando aquele pingo de afeto que as vezes é recebido. Isso acontece porque o agressor nunca é SÓ agressor. E ela buscava esperançosa que o garoto pelo qual se apaixonou, aquele que era romântico, gentil e carinhoso aparecesse às vezes. E ele aparecia. Mas quase sempre após os surtos de agressão. Daí vinha o suposto arrependimento. Os pedidos de desculpa, as promessas de que seria diferente, as demonstrações de amor. Acho que só quem já vivenciou algo assim consegue compreender a magnitude dessa situação, mas é imprescindível que compreendamos que NUNCA é culpa da vítima e que não conseguir sair de um relacionamento assim com facilidade não quer dizer que a pessoa goste das agressões ou que seja burra ou que não se ajude, ou qualquer coisa que costumamos ouvir nesse caso. É difícil, é traumático e assustador. 

No final do livro, a autora ainda faz uma nota que achei incrível. Ela coloca a seguinte situação: todos nós já falamos ou já ouvimos comentários como "jamais permitiria que alguém abusasse de mim...", 'agrida-me uma única vez e eu caio fora", "se algum dia um cara me agredir..." e em seguida, completamos a frase com uma porção de ameaças. Mas esquecemos que isso são falas racionais, e quando mergulhamos num relacionamento, os motivos vem do coração, da emoção. Acrescenta ainda que essas mulheres, tal como Alex, já estão tão envolvidas e apegadas emocionalmente, que quando as agressões começam, elas trazem junto um sentimento de impotência, então vai muito além de "permitir". 

"Amor Amargo" é um livro incrível. Pesado, polêmico, mas arrebatador. É quase impossível ler e não se sensibilizar com Alex, não torcer por ela, não ter pena. Lendo, percebemos o quanto a carência e baixa autoestima podem nos levar a nos submeter à qualquer situação que, mesmo que eventualmente, supra um pouquinho daquele afeto que tanto queremos. 

Ainda acrescento, como que para finalizar, que se você leu esse livro e se irritou com Alex ou a julgou como burra, trouxa e covarde, está na hora de rever seus pensamentos e ter um pouco mais de empatia. Pessoas precisam de compreensão. De afeto. Precisam de encorajamento para lidar com suas batalhas, sejam elas quais forem. Cada um sabe o tamanho das suas dores e daquilo que lhes afeta. O que para mim é banal, para o outro pode ser devastador e quando você não pode ajudar, não seja aquele que destrói mais. Que humilha, que fere. "Amor Amargo" vem como uma obra prima sobre o tema, mas também como um alerta à todos nós, para que sejamos mais humanos. 

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Antes de dormir - S. J. Watson

       "A memória nos define. Como seria, então, se você a perdesse toda vez que dormisse? Seu nome, sua identidade, seu passado, até mesmo as pessoas que você ama... tudo seria esquecido da noite para o dia. E a única pessoa em que você confia talvez esteja contando apenas parte da história. Bem vindo à vida de Christine."


Eis a premissa do romance de estreia de S. J. Watson, "Antes de dormir". O livro começa no estilo do clássico filme "Como se fosse a primeira vez", de Adam Sandler: uma mulher traída pela própria memória, que acorda toda manhã esperando estar anos atrás do dia que realmente se encontra. Uma mulher que tenta resgatar partes dessa memória a cada momento do dia, mesmo sabendo que tudo desaparecerá quando pegar no sono. 


O diferencial é que nesse caso não trata-se de uma história de amor, mas sim de puro suspense. "Perturbador" seria uma boa forma de descrevê-lo, ainda que em alguns pontos tenha sido bem previsível. 

É difícil falar muito mais sem dar spoiler, visto que em alguns momentos o livro é repetitivo e enrolado: Christine acorda ao lado de um homem que não lembra conhecer, pensando ser décadas mais jovem. Ela vai até o banheiro, assusta-se com o próprio reflexo, o qual é repleto de marcas do tempo. Ainda no banheiro, ela encontra fotos dela com o homem que está em sua cama, provas de um relacionamento feliz e duradouro. É seu marido, descobre ela.

Logo que ele sai, Christine recebe ligação de um médico com o qual está tentando um novo tratamento, que pode recuperar os danos em sua memória. O médico lhe orienta a registrar todos os progressos e informações importantes em um diário, e ambos (tratamento e registros) são feitos em sigilo absoluto, dia após dia, tentando organizar o caos interior de Christine.

Essa rotina acontece sempre e é por isso que em alguns momentos a leitura se torna repetitiva: você quer desesperadamente que ela lembre de algo, ou que vá mais a fundo sobre algum fato ocorrido ou alguma lembrança... E então Christine dorme, e começa tudo de novo. Angustiante.

Sobretudo, Watson nos proporciona uma história muito bem escrita, de linguagem simples e com uma trama bem construída. Ainda que a surpresa venha apenas em alguns poucos pontos, a leitura continua sendo prazerosa e você se vê torcendo pela personagem, querendo que ela consiga reter alguma memória e pôr ordem em sua mente e em sua vida. Típico livro onde a autora aposta no "mais do mesmo" e dá certo. 

Gostaria apenas que a história tivesse se estendido para pelo menos uma semana depois dos últimos fatos, pois o desfecho pareceu rápido demais quando comparado ao ritmo que fluía todo o restante do livro. 

Enfim, "Antes de dormir" está longe de ser o tipo de história transformadora, do tipo que você fica pensado por semanas e querendo reler tudo imediatamente, só pra prolongar a sensação. Entretanto, trata-se de uma leitura agradável para os amantes do suspense, ou para um final de tarde descompromissado. Seria uma excelente adaptação cinematográfica, se o fizessem.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

10 coisas que aprendi com "O Pequeno Príncipe"

1) Só se vê bem com os olhos do coração. O essencial é invisível aos olhos.

Esse trecho já explica-se por si só. As coisas mais importantes da vida são aquelas que não podemos enxergar, apenas sentir. É essas que devemos cultivar sempre, tudo que é material é substituível e descartável.

2) Todos os adultos um dia foram crianças, mas poucos lembram disso.

O mundo está carente de espontaneidade. De inocência. De gente simples, que ri e brinca. De alegria genuína, de sinceridade. De gente que sonha muito e se diverte com pouco.  Está carente de adultos que consigam crescer  e se manter sendo tudo aquilo que foram quando crianças. 

3) Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.

Tudo aquilo que conquistamos é um reflexo daquilo que somos capazes de dar. Eis a famigerada lei do retorno. Dê amor e receberá amor, dê gentileza e receberá gentileza. Dê sentimentos ruins e receberá o mesmo. Saiba ser grato por aquilo que conquista. Manter aqueles que cativa. Cuidar daqueles que ama e que te amam também. 

4) A gente corre o risco de chorar um pouco quando se deixa cativar.

Esse é o preço de sentir. Mas vale a pena. Qualquer risco é melhor que uma vida sem emoções. "Deixe para ser frio quando morrer. Demonstre amor."

5) É preciso que eu suporte duas ou três larvas se quiser conhecer as borboletas.

Paulo Coelho já dizia que "Se você deseja ver o arco-íris, precisa aprender a gostar da tempestade." A vida é repleta de momentos ruins, mas devemos entender que tudo acontece por um motivo e todas as dificuldades que passamos nos levam à aprendizagem e nos preparam para reconhecer e valorizar as coisas boas que temos. É como diz no livro PS. eu te amo, de Cecelia Ahern, "A vida de ninguém é repleta de momentos perfeitos. E se fosse, não seriam momentos perfeitos. Seriam apenas normais. Como você poderia saber o que é a felicidade se nunca tivesse experimentado as quedas?"


6) As pessoas são solitárias porque constroem muros ao invés de pontes.

As pessoas, muitas vezes por medo ou traumas passados, acabam se afastando cada vez mais umas das outras. Constroem barreiras, muros, bloqueios. Fogem de envolvimento, evitam se cativar. Deixam de demonstrar, de ligar, de correr atrás. Insistem em mostrar indiferença, numa competição obsessiva de quem se demonstra menos. E é por isso que, cada vez mais, estamos sozinhos (mesmo quando estamos cercados de pessoas).

7) É bem mais difícil julgar a si mesmo que julgar os outros.

Temos uma facilidade muito grande em julgar as atitudes alheias. Nos sentimos donos da razão e capacitamos para decidir sobre a vida de todo mundo. Aconselhamos, discutimos e defendemos pontos de vista que muitas vezes não somos capazes de seguir em nossas próprias vidas. Esquecemos que "a cada um cabe alegrias e a dor que traz no coração.".

8) É preciso exigir de cada um o que cada um pode dar.

Nós temos a triste mania de criar expectativas e projeções em cima das pessoas que conhecemos, quando na verdade cada ser humano é único, com suas próprias vontades e pensamentos. É utopia achar que podemos exigir algo de alguém ou que temos o direito de cobrar certas atitudes de qualquer pessoa. Como disse Shakespeare, "só porque alguém não o ama do jeito que você quer que ame não significa que esse alguém não o ama com tudo o que pode, pois existem pessoas que nos amam, mas simplesmente não sabem demostrar ou viver isso.". Então é necessário entender que cada pessoa é livre e ter a mente aberta para aceitar aquilo que ela pode e quer nos dar sem cobranças, entendendo que independente de nossas expectativas ou projeções, aquilo é o que a pessoa pode nos dar.


9) É loucura odiar todas as rosas porque uma te espetou.


As pessoas costumam se fechar após ter sofrido algum trauma ou decepção, no intuito de evitar mais sofrimento. Passam a não se permitir, não demonstrar, não tentar, não acreditar. E com isso, perdem muitas chances de viver grandes emoções. Perdem muito pelo medo de perder. Acabam esquecendo que cada história é única, cada tentativa é uma oportunidade  e que não é porque uma vez deu errado, que todas darão. Não é porque uma pessoa te decepcionou, que todas lhe decepcionarão. 


10) Foi o tempo que dedicaste à tua rosa que a fez tão importante.


A ansiedade é o mal do século. Temos pressa de viver, pressa de sentir, pressa para que tudo dê certo. As pessoas desistem de tudo muito fácil. Descartam sonhos, descartam umas às outras e descartam as chances de ser feliz no primeiro problema ou dificuldade. Esquecemos que o tempo, dedicação e a persistência são necessários para tudo que queremos.



domingo, 11 de dezembro de 2016

A garota no trem - Paula Hawkins

Quando vi a comparação de "A garota no trem" com "Garota exemplar", logo comecei a procurar resenhas sobre ele na internet. Sou apaixonada pela escrita de Gillian Flynn, então ver que vários leitores confirmaram a semelhança entre ambos me deixou ansiosíssima para iniciar a leitura. 

A primeira semelhança entre os dois é que tanto os livros de Flynn quanto o de Paula Hawkins despertam uma vontade de ler compulsivamente até desvendar o mistério por trás da história. Os dois possuem várias reviravoltas, personagens completamente perturbados e um final surpreendente. Ou seja, é um livro com todos os elementos desejados para se tornar inesquecível. 

"A garota no trem" conta a história de Rachel, uma mulher carente, desestabilizada emocionalmente e com graves problemas de alcoolismo. Ela era casada com Tom, mas foi traída e abandonada por ele, o que tirou toda sua vontade de viver e se manter sóbria. A partir disso, foram ocorrendo uma sucessão de fracassos: ela perdeu o emprego, não consegue superar o vício e passou a morar de favor após Tom levar a nova esposa e a filha para a casa que um dia foi deles. Em depressão profunda, Rachel dedica seus dias à observar estranhos que moram perto da casa de Tom, passando diariamente por eles em seus passeios de trem.

Há apenas algumas casas de onde morou com Tom, reside um casal que chama a atenção de Rachel de forma especial. Ela passou a observá-los quando evitava olhar para a sua antiga casa, para não ver o ex com sua nova família. Observou tanto, que acabou se cativando pelos dois, por todo o carinho que pareciam demonstrar um pelo outro quando sentavam na varanda. Batizou-lhes então de Jéss e Jason.

Observá-los passou a ser o momento mais empolgante do seu dia, a única distração na vida vazia e triste que leva. Através das poucas cenas que via ao passar de trem diariamente, Rachel já julgava conhecê-los muito bem. Até o dia que viu um fato que mudou completamente seu ponto de vista. 
Dias depois dessa cena, Rachel acorda machucada e recebe uma mensagem furiosa de Tom, mas não consegue se lembrar de nada, pois estava completamente bêbada na noite anterior. Ao ligar a tv, descobre que Jess (que na verdade se chamava Megan) desapareceu e que Jason (que se chamava Scott) é o principal suspeito. 

A partir disso, Hawkins desenvolve uma história repleta de reviravoltas, surpresas, personagens completamente perturbados (e muito bem construídos, assim como os de Flynn). Notamos então que, assim como prometido na capa, "A garota no trem" faz com que mudemos para sempre nossa forma de observar as pessoas ao nosso redor e até mesmo aquelas que fazem parte do nosso convívio diário, pois nem todo mundo é como parece.

Dizer que a história é "fantástica", ainda será pouco perto do que realmente é. Ela realmente tem muita semelhança com "Garota exemplar" em alguns aspectos, mas há mais personagens, mais suspeitos e um pouco mais de drama. É incrível!

No início desse ano saiu a adaptação cinematográfica do livro, a qual infelizmente ainda não tive a oportunidade de assistir. Entretanto, o ponto que mais me atraiu no livro foi a explanação da personalidade de cada personagem, o que fica um pouco difícil de transmitir em filme. Independentemente disso, "A garota no trem" funcionou perfeitamente como livro, é um thriller arrebatador e, como poucos, conseguiu atingir o mesmo patamar de Gillian Flynn, que para mim é a melhor escritora do gênero.