sábado, 30 de maio de 2020

Um Joe não tão carismático quanto Penn...

O livro trata-se de um dos raros casos que a adaptação ficou melhor que a obra original. Com isso não quero dizer que o livro seja ruim! Pelo contrário, ele é muito fiel em alguns aspectos, mas discrepante em outros. Primeiro, que no livro não tem o enredo do Paco, nem nenhuma das coisas que torne o Joe da série um personagem carismático.

Na série, por mais que discordemos das atitudes dele, conseguimos ter certa simpatia pelo personagem de Penn Badgley, que é extremamente carismático e articulado. Entretanto, no livro conhecemos um Joe que é gratuitamente grosseiro com seus funcionários, tem pensamentos extremamente doentios e machistas, e vulgariza absolutamente tudo, usando os termos mais chulos possíveis.

A narrativa é mais arrastada? Sim. Inclusive, por vezes se torna o tipo de leitura pesada, enrolada, que parece que você lê, lê, lê e não sai do lugar. Diferente da série, o livro se atém bem menos aos fatos do que aos pensamentos, e vemos uma confusão mental muito grande da parte de Joe: ele oscila o tempo inteiro entre endeusar Beck ou referir-se à ela como piranha, puta etc. Mas o que mais me chamou a atenção no livro é o fato de que Joe não justifica seus fatos apenas para que Beck o ame, ou para se livrar de possíveis consequências: ele REALMENTE acredita que o que faz é certo, é por amor. Cada ato desmedido e doentio, na visão DELE é uma forma de livrar Beck de pessoas tóxicas, ou mostrar-lhe que seu amor é o caminho certo. Ele se vê como um herói, como o romântico incorrigível que destrói os obstáculos que surgem em nome do grande amor que sente. E sempre culpa esses obstáculos, pessoas ou o que quer que atrapalhe sua visão de como as coisas devem ser.

Outro ponto a ressaltar é que se na série Beck já não é uma personagem muito querida, no livro ela é ainda pior. E com isso não estou dizendo que ela merecia as atitudes de Joe, ninguém mereceria. Mas Beck não é nenhuma pobre vítima: é vulgar, dissimulada, manipuladora e usa da sua sexualidade para absolutamente tudo, de um jeito exagerado, como se seu maior hobby fosse fazer com que todo mundo quisesse transar com ela, nem que fosse para ela descartar a pessoa. Seu comportamento é promíscuo, egocêntrico e extremamente narcisista e mesmo quando ela não sabia quem Joe era de verdade e o via apenas como um cara legal (e ele realmente parecia ser tudo que alguém pode querer: fofo, inteligente, compreensivo, carinhoso, romântico...), ela não se importava de usá-lo como se fosse um objeto que ela só pega quando precisa, seja para desabafar, para transar ou para simplesmente se sentir desejada.

A verdade é que na série eu gosto bastante de Joe. Não é "passar pano": suas atitudes são doentias e isso é inegável, mas ainda consigo "torcer" por ele, simpatizar com ele. No livro, entretanto, muitas vezes fiquei com nojo. Houve muitos trechos que seu linguajar faziam parecer que era um velho tarado falando, era doentio. E mais doentio que isso, preciso comentar, é a Beck ter todo aquele complexo de sexualizar a relação paterna.



Enfim, vale a leitura. Vale persistir mesmo quando for cansativa, porque esse livro é, sobretudo, uma viagem na mente de um sociopata que mesmo quando faz as piores atrocidades, acredita que isso é o certo, que ele é o herói, que foi por um bem maior, que a vítima teve culpa. Essa versão aparece muitas vezes quando alguém tenta se safar ou convencer alguém, mas como no livro mostram os pensamentos dele, percebemos que trata-se de uma crença verdadeira. É diferente da série, mas é bom, só que requer um pouco mais de paciência.

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