sábado, 2 de julho de 2016

Resumo + análise: A hora da estrela - Clarice Lispector (leituras UFRGS 2017)

Ambientada no Rio de Janeiro, a Hora da estrela é mais uma das leituras obrigatórias da UFRGS 2017 , além de ser o livro mais famoso da brasileira Clarice Lispector. 

O livro se afasta completamente da geração e dos movimentos literários conhecidos na época e cria um novo estilo, no qual o enredo não é o foco. Nessa história, os fatos são de importância secundária e o ponto principal  são as divagações, pensamentos e sentimentos dos personagens. 

Por esse motivo, "A hora da estrela" possui um conjunto de reflexões com base em alguns fatos descritos. Há então a presença de epifanias,que é quando uma situação banal do dia-a-dia proporciona à personagem auto-conhecimento e inúmeras ponderações. Nessas situações, há um grande fluxo de consciência e o pensamento flui livremente, desconexo e não linear.

A autora afirma ter criado treze opções de titulo para o livro, os quais são citados na primeira página. A hora da estrela seria então o momento da morte, o momento em que uma pessoa comum e "invisível ao mundo"  (como Macabea) morre e finalmente brilha e é vista ao se tornar uma estrela. 

O livro é divido em três eixos. No primeiro deles, conhecemos o personagem Rodrigo S. M., um narrador que conta a história de Macabea após ter passado por uma moça nordestina com ar triste pela rua. A segunda parte da narrativa é a história de Macabea, que não ocupa o mesmo espaço periférico que Rodrigo S M, uma vez que são criador e criatura. E, por último, temos uma análise e descrição metalinguística do processo criativo da história. 

Fica subentendido que Rodrigo S. M. seja um pseudônimo da própria Clarice, uma vez que ele narra a história como sendo criador da nordestina Macabea. Um ponto importante à destacar é a ambiguidade na relação de Rodrigo S M com a moça: o mesmo diminui sua criação no decorrer de toda a narrativa, ressaltando os defeitos, a ignorância e mediocridade de Macabea mas, em inúmeros momentos, também fala em como gostaria de cuidar da mesma. 

O enredo conta principalmente a história de Macabea, órfã de pai e mãe e criada por uma tia beata e supersticios,. Macabea parte de Alagoas para o Rio de Janeiro na tentativa de uma vida melhor, mas encontra uma cidade toda contra ela. A menina é muito pobre, muito feia, muito ingênua, muito magra. É uma moça sem nada de interessante ou atraente, que não sabe conversar, não trabalha bem e nem sequer toma banho. Por essas e outras características observamos o modo como Rodrigo S. M. deprecia sua personagem. 

Macabea mal sabe escrever, mas faz um curso de datilografia e consegue um emprego que lhe paga pouquíssimo, motivo pelo qual se alimenta apenas de cachorro quente e nunca se arruma. Ainda assim, o narrador enfatiza o fato de que Macabea sofre constantes ameaças de ser demitida, uma vez que não trabalha bem, é burra e frequentemente apresenta erros de ortografia e marcas de gordura nos papeis do trabalho. Mas, mesmo diante das ameaças, a nordestina só sabe desculpar-se e Rodrigo S. M. coloca isso como um exemplo de fraqueza e submissão presente em diversas atitudes de Macabea.

A menina então conhece Olímpico de Jesus, um jovem e ambicioso metalúrgico que sonhava em ser açougueiro. Olímpico também é nordestino, mas  de Paraíba, e foi para o Rio de Janeiro por ter matado um homem em sua terra. Os dois começam uma espécie de namoro, mas até o próprio Olímpico em inúmeros momentos menospreza Macabea, deixando claro que a moça é muito feia, desinteressante e não sabe nem conversar. Diante das ofensas, ela sempre assume uma postura conformista, como de quem não espera nada de bom da vida ou das pessoas.

O namoro dos dois não chega a ser uma relação sólida e os passeios que faziam eram sempre em dias chuvosos e com "diversões" gratuitas, como sentar na praça para conversar. Porém, mesmo nessas ocasiões, Olímpico mostrava-se descontente com Macabea, criticando a moça por não saber conversar e pelas perguntas que fazia. E, mais uma vez, a atitude da moça era apenas desculpar-se.

Em um dos poucos encontros que os dois tem, Olímpico admite que Macabea nunca lhe dá despesa e se propõe a pagar um café para a namorada (deixando claro que se ela quisesse café com leite deveria pagar a diferença de valores). Ela fica absolutamente feliz e quer tanto aproveitar o momento que coloca todo o açúcar que pode em seu café, fazendo do mesmo quase uma rapadura. Em outro encontro, ambos vão ao zoológico e Macabea faz xixi nas calças, com medo dos hipopótamos. Notamos mais uma vez o autor depreciando sua criação, ainda que ele fale que tem vontade de acolher sua personagem, dar-lhe um bom banho, comida, cuidado e carinho.

Entretanto, o namoro acaba quando Olímpico conhece Glória, a colega de trabalho de Macabea. A moça também é feia, mas faz três refeições quentes e fartas por dia, é "carioca da gema" e filha de açougueiro, atributos muito consideráveis na visão de Olímpico. O rapaz então termina com Macabea, dizendo que ela é "como um cabelo na sopa: não dá vontade de comer", afirmação que a moça aceita conformada e até se desculpa.

Apesar de, como já citado anteriormente, a história ser dividida em três partes, é importante ressaltar que as três são apresentadas simultaneamente e o tempo todo Rodrigo S.M. divaga sobre os fatos ocorridos com sua personagem e fala também sobre a construção literária. O autor justifica o texto e vocabulário simples com o fato de Macabea ser tão medíocre a ponto de nem merecer uma criação literária mais rebuscada ou formal. Ele também se aborrece com a personagem em vários momentos, afirmando se sentir cansado e tedioso da "falta de tudo" que havia que Macabea.

Depois de ser largada por Olémpico, Macabea procura um médico e descobre ter tuberculose. Ao receber a notícia ela apenas agradece, deixando o médico perplexo. O mesmo, que era um pouco acima do peso, fala para a moça que ela deve comer espaguete e que sua barriga protuberante se deve ao fato dele comer espaguete e tomar cerveja, mas que a moça não precisa beber álcool. Mais uma vez então, notamos Rodrigo S.M. depreciando a personagem, pois logo após ouvir isso, a moça pergunta ao médico o que é álcool, deixando o doutor irritado com tamanha ignorância.

Entretanto, conforme citado anteriormente, a relação de criador e criatura (autor e personagem) é ambígua e temos isso exemplificado no seguinte trecho, quando Rodrigo admite estar apaixonado por Macabea:


"Sim, estou apaixonado por Macabea, minha querida Maca, apaixonado pela sua feiura e anonimato total, pois ela não é para ninguém. Apaixonado pelos seus pulmões frágeis, a magricela."


Dias depois, Gloria, sentindo-se culpada por ter roubado o namorado da colega, sugere à Macabea que a mesma vá à uma cartomante, oferecendo inclusive o dinheiro para a moça consultar, falando que a cartomante também é capaz de quebrar feitiços e macumbas que tenham lhe feito.

Então, Macabea vai até Carlota, a cartomante indicada pela colega. Chegando lá, Carlota afirma que já esperava por ela. Carlota conta então sua história, que já foi prostituta, cafetina e que amou apenas um homem na  vida, o qual ela sustentava e de quem apanhava. Fala que depois desse homem desaparecer de sua vida ela passou a gostar apenas de mulheres, pois estas não lhes agrediam e que Macabea não deveria ter homens em sua vida.

Carlota começa então a colocar as cartas e acerta inúmeras coisas quanto ao passado de Macabea, afirmando que a mesma mal conheceu os pais, que perdeu o namorado e que em breve perderá o emprego. A cartomante fala inclusive que nem faz questão de ser paga pela consulta, uma vez que sabe das dificuldades enfrentadas pela moça. Contudo, Macabea faz questão de pagar e Carlota resolve proceder com o trabalho, fazendo então previsões para o futuro. 

A cartomante então fala que Macabea deve animar-se, pois um futuro esplêndido lhe espera. Fala que a moça será rica, que aparecerá um estrangeiro que se apaixonará por ela, que os dois terão muito amor e riqueza. Pela primeira vez então, vemos a personagem com um destino, um rumo, uma esperança. A moça, muito sonhadora, sai do consultório já sonhando com o estrangeiro que arrebatará seu coração.

Vem então o momento mais irônico da obra e que, de certa forma, justifica o título escolhido: Macabea sai tão distraída que não vê um carro se aproximar e então é atropelada, vindo a falecer e tendo, finalmente, sua "hora da estrela".

"Então ao dar o passo de descida da calçada para atravessar a rua, o Destino (explosão) sussurou veloz e guloso: é agora, é já, chegou a minha vez! E enorme como um transatlântico o Mercedez amarelo pegou-a - e neste mesmo instante, em algum único lugar do mundo um cavalo como resposta empinou-se em uma gargalhada de relincho. Macabea ao cair ainda teve tempo de ver, antes que o carro fugisse, que já começavam a ser cumpridas as predições de madama Carlota, pois o carro era de alto luxo. Sua queda não era nada. pensou ela, apenas um empurrão. Batera com a cabeça na quina da calçada e ficara caída, a cara mansamente voltada para a sarjeta. E da cabeça um fio de sangue inesperadamente vermelho e rico."

Entretanto, Macabea não morre imediatamente e voltamos com as longas reflexões de Rodrigo S. M., que afirma que poderia ter dado outro destino à moça, poderia contemplar-lhe com as ótimas previsões da cartomante tornando-se reais, mas que "a vida é um soco no estômago" e que, quem sabe, Macabea estava precisando morrer. Conta ainda que as últimas palavras da moça foram "quanto ao futuro" (uma das treze opções de título para o livro), em alto e bom som, antes de vomitar sangue e dar seu último suspiro.

Rodrigo afirma ainda que ao morrer é como se Macabea também tivesse lhe matado, uma vez que não tem porque continuar escrevendo. Faz algumas divagações sobre ter tomado consciência da fragilidade da vida, mas em seguida encerra o livro com a palavra "sim", fazendo uma referência ao início do livro, quando afirma que toda história começa com um sim. 


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Olá, pessoal!

Espero ter ajudado os vestibulandos com mais essa resenha+análise! Anteriormente, postei a análise de Dom Casmurro - Machado de Assis (basta clicar para conferir) e, em breve trarei a próxima leitura  para vocês que é "Morangos Mofados - Caio F. de Abreu".

Me coloco à disposição para quaisquer dúvidas e/ou sugestões! Quem puder clicar em seguir o blog e curtir nossa página, agradeço!

Um grande abraço!

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