sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Amor Amargo - Jeniffer Brown: o retrato de um relacionamento abusivo

Li "Amor Amargo" em dois dias, de tão envolvida que fiquei com a história. Não me recordo de já ter lido algo sobre o tema antes, pelo menos não escrito com a sensibilidade com a qual Jeniffer Brown soube usar nele. Acho que toda garota e todos pais do mundo deveriam ler esse livro e deveriam, sobretudo, mostrar-se atentos à esse tema que é tão delicado.

O livro conta a história de Alex, uma menina que está no último ano do ensino médio e planeja uma viagem para o Colorado junto de seus dois melhores amigos, Zach e Bethany. Essa viagem, que promete muita diversão, também tem um motivo muito profundo para Alex: sua mãe estava indo para lá, abandonando a família, quando sofreu um acidente e morreu. O que havia no Colorado que valia mais a pena que viver ao lado de suas filhas e marido? Será que indo até lá, Alex conseguiria sentir a presença de sua mãe e suprir a sensação de abandono deixada pelo luto e pelo pai completamente relapso e irmãs indiferentes? Será que lá Alex preencheria esse vazio?

Mas a amizade do trio vai muito além do planejamento da viagem: os três são inseparáveis desde os oito anos de idade, contam absolutamente tudo uns para os outros e se amam infinitamente. Um amor lindo, mas não suficiente para suprir toda a carência e necessidade de afeto que Alex sente. É por isso que quando conhece Cole, ela mergulha de cabeça na relação.


Cole é um aluno novo na escola, para o qual Alex fica incubida de dar aulas de reforço para auxiliá-lo a entrar no time de basquete. Logo na primeira aula, já surge um interesse mútuo, o qual vai crescendo no decorrer dos dias. Cole parece perfeito: lindo, atencioso, divertido, gentil... um perfeito cavalheiro. Aprecia as poesias de Alex e demonstra mais interesse por ela do que o próprio pai jamais demonstrou. Só essa simples compensação já é suficiente para que ela atribua à Cole a imagem de principe encantado e acredite que ele é sua alma gêmea.


Logo, os dois começam a namorar e pouco a pouco, Cole demonstra características de uma personalidade manipuladora, egocêntrica, intimidadora, controladora e agressiva, mas à essa altura, Alex já está envolvida demais para conseguir enxergar de forma racional. 

Jeniffer Brown é formada em psicologia e, numa das notas do livro, explica que pesquisou muito à respeito do tema antes de escrever o livro, e que por isso conseguimos ver tanta realidade nos personagens. Vemos cada um dos estágios comuns à esse tipo de relacionamento acontecendo: Cole manipula Alex até que ela se afaste das pessoas que ama, e depois vai minando cada restinho de autoestima que ela ainda possui, a diminuindo e menosprezando. A garota, que já era carente devido à situação familiar, começa a acreditar que merece aquele tratamento. 

Quando Cole age de forma agressiva, ela se sente culpada. Ela acha que precisa mudar. Que precisa melhorar. Que precisa parar de lhe dar motivos para sair do sério. Ela acredita que se não o fizer, ele vai lhe deixar. E que se ele a deixar, nunca mais terá ninguém, pois ele mesmo a faz acreditar que não merece ser amada. Quando começa a se dar conta da realidade, vem outros sentimentos conflitantes: "O que vão pensar de mim se eu contar? Que sou covarde? Que sou burra por aceitar essa situação calada por tanto tempo? E como ele reagiria se eu o traísse dessa forma, revelando à todos que ele não é o namorado perfeito?"

Percebo que é comum que muitas pessoas se irritem com a personagem, tamanha sua incapacidade de lidar com a situação. Tamanha sua forma de sempre buscar justificativas para as agressões dele, submetendo-se e até mesmo mendigando aquele pingo de afeto que as vezes é recebido. Isso acontece porque o agressor nunca é SÓ agressor. E ela buscava esperançosa que o garoto pelo qual se apaixonou, aquele que era romântico, gentil e carinhoso aparecesse às vezes. E ele aparecia. Mas quase sempre após os surtos de agressão. Daí vinha o suposto arrependimento. Os pedidos de desculpa, as promessas de que seria diferente, as demonstrações de amor. Acho que só quem já vivenciou algo assim consegue compreender a magnitude dessa situação, mas é imprescindível que compreendamos que NUNCA é culpa da vítima e que não conseguir sair de um relacionamento assim com facilidade não quer dizer que a pessoa goste das agressões ou que seja burra ou que não se ajude, ou qualquer coisa que costumamos ouvir nesse caso. É difícil, é traumático e assustador. 

No final do livro, a autora ainda faz uma nota que achei incrível. Ela coloca a seguinte situação: todos nós já falamos ou já ouvimos comentários como "jamais permitiria que alguém abusasse de mim...", 'agrida-me uma única vez e eu caio fora", "se algum dia um cara me agredir..." e em seguida, completamos a frase com uma porção de ameaças. Mas esquecemos que isso são falas racionais, e quando mergulhamos num relacionamento, os motivos vem do coração, da emoção. Acrescenta ainda que essas mulheres, tal como Alex, já estão tão envolvidas e apegadas emocionalmente, que quando as agressões começam, elas trazem junto um sentimento de impotência, então vai muito além de "permitir". 

"Amor Amargo" é um livro incrível. Pesado, polêmico, mas arrebatador. É quase impossível ler e não se sensibilizar com Alex, não torcer por ela, não ter pena. Lendo, percebemos o quanto a carência e baixa autoestima podem nos levar a nos submeter à qualquer situação que, mesmo que eventualmente, supra um pouquinho daquele afeto que tanto queremos. 

Ainda acrescento, como que para finalizar, que se você leu esse livro e se irritou com Alex ou a julgou como burra, trouxa e covarde, está na hora de rever seus pensamentos e ter um pouco mais de empatia. Pessoas precisam de compreensão. De afeto. Precisam de encorajamento para lidar com suas batalhas, sejam elas quais forem. Cada um sabe o tamanho das suas dores e daquilo que lhes afeta. O que para mim é banal, para o outro pode ser devastador e quando você não pode ajudar, não seja aquele que destrói mais. Que humilha, que fere. "Amor Amargo" vem como uma obra prima sobre o tema, mas também como um alerta à todos nós, para que sejamos mais humanos. 

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