sábado, 20 de agosto de 2016

Uma crença silenciosa em anjos - R.J. Ellory

Não sei como alguém pode suportar perder tanta gente e ainda acreditar na bondade fundamental do ser humano.  Assim é Joseph Calvin Vaughan, e é a história dele que tive o prazer de conhecer lendo "Uma crença silenciosa em anjos", de R. J. Ellory.


O livro começa com Joseph ainda criança, contando sobre o dia em que uma pena branca trazida pelo vento pousou perto dele e desde esse momento, por superstição, ele soube que tratava-se de um aviso da visita iminente da morte. Pouco depois, seu pai vem a falecer, deixando Joseph sozinho com sua mãe e com a crença de que ele havia morrido para se tornar um anjo. 

Desde muito cedo, percebemos que Joseph é uma criança diferente das outras. Ele tem um jeito profundo de pensar e sentir e um grande senso de justiça, acompanhados pela sensação de que é seu dever corrigir as coisas erradas do mundo e proteger todos aqueles que julga necessitados. Joseph tem um coração grande e é muito maduro desde jovem. Tem o dom da escrita e de ver o mundo com uma carga sentimental tão grande, que as vezes chega a tornar o livro pesado, mas posso garantir que vale a pena seguir lendo. 

A história começa a se desenrolar quando uma menina do condado onde Joseph vive é estuprada e brutalmente assassinada, chocando à todos os moradores do pequeno local. Logo, todos começam a tentar entender quem pode ter tido coragem de tamanha crueldade. A menina estudava na mesma classe que Joseph e, apesar de não terem muito contato, ele fica terrivelmente abalado com o crime, sentindo-se até mesmo culpado por não ter evitado que ocorresse.

"Lembro-me da gargalhada dela. Mãe, eu me lembro do cheiro dela... de morango, morango amargo, uma coisa assim. Foi nisso que pensei quando a vi lá em cima... toda despedaçada e jogada ali como uma coisa sem valor nenhum, nenhum. Foi isso que vi, e acho que quando se vê uma barbaridade dessas, não há nada que se possa fazer para apagar as imagens da cabeça da gente, e elas vão ficar gravadas na minha mente até eu ser pasto para as minhocas. Isso muda minha visão das coisas. Me faz pensar que não se pode fazer nada com a vida a não ser vivê-la da melhor forma possível, e se a gente erra, erra pelo menos tentando fazer algo bom, ou tentando fazer algo melhor, ou pelo menos tirando um pouco de conforto e amor de onde pode tirar." 

Porém, esse é o primeiro de uma série de assassinatos que ocorrem ao longo dos anos. Meninas sempre menores de doze anos, todas abusadas sexualmente e assassinadas, esquartejadas e tendo seus membros separados por diversos locais. A cada crime, uma parte de Joseph mudava e uma ferida era aberta em seu peito: ele sentia que precisava fazer algo, precisava impedir que mais meninas fossem machucadas, que mais crianças morressem e famílias sofressem com suas perdas.

Chega então a criar um grupo chamado "os Guardiões", formado por alguns colegas também crianças, se dividindo para vigiar e proteger cada menina que pudesse ser alvo do assassino. Mas logo o grupo fracassa, mais mortes acontecem, e a tristeza e culpa que sente é tão grande, que preferem não se reunir mais.

Acompanhamos todo o crescimento de Joseph. A paixão pela professora, com a qual chega a relacionar-se após adulto (o que no início me perturbou, pois ela dava aula para ele desde criança, mas depois os achei perfeito juntos), as inúmeras perdas e tragédias que sofreu e, principalmente o impacto que cada uma dessas coisas teve no caráter de Joseph. Acompanhamos ele tornar-se um escritor de sucesso, ele ver sua mãe enlouquecer aos poucos devido à um trauma e ele perder uma a uma, cada pessoa que amou e quis proteger. É triste, é pesado, é uma dor poética.

"O amor, mais tarde eu chegaria à conclusão, era tudo para todo mundo. O amor era o que fazia sofrer e parar de sofrer. O amor era mal interpretado, o amor era fé, o amor era a promessa do agora que se tornava esperança para o futuro. O amor era um ritmo, uma ressonância, um reverberação. O amor era estranho e tolo, era agressivo e simples, e com tantas qualidades indefiníveis que nunca poderiam ser transmitidas em palavras. o amor era ser."

O livro tem uma narrativa muito pesada, do tipo que você lê dez páginas e tem a sensação de ter lido cem, não pela quantidade de acontecimentos (os fatos ocorrem muuuuuito lentamente), mas pela profunda carga emocional que cada parágrafo trás. Por esse motivo, várias vezes pensei em abandonar a leitura, mas Joseph me cativou tanto e me vi torcendo tanto por ele, que me forcei a continuar. 

Apesar de intitulado como thriller, vi muito mais drama do que suspense no livro. Os assassinatos seguem por toda a vida de Joseph, inúmeros crimes sem solução que lhe perturbam e impactam em todos os outros aspectos de sua vida adulta e ficamos angustiados para saber quem é o cruel assassino, mas, ainda assim, temos um foco muito maior nas perdas de Joseph, em suas tragédias e na forma como todas essas fatalidades impactaram sua vida pessoal.

O final não chega a ser tão surpreendente (eu, pelo menos, tinha duas suspeitas de possíveis assassinos e uma delas estava correta!) mas no decorrer da história aconteceram pelo menos quatro coisas que me deixaram de queixo caído e coração partido e mais de uma vez me vi como Joseph: querendo ter o poder de corrigir as injustiças e tristezas do mundo.

Se você procura um livro leve e divertido, para se divertir e se descontrair, esse NÃO é recomendado, de forma alguma. Entretanto, se procura uma história profunda, com uma grande carga emocional e profundidade na narrativa, nos personagens, nos sentimentos; esse com certeza será o livro perfeito! 




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